segunda-feira, março 08, 2010

Jornalismo de Moda por Regina Guerreiro

Em qualquer profissão você sempre tem alguém para se espelhar. Aquelas pessoas que pensam como você e te fazem acreditar que está no caminho certo ...
No meu caso, tenho vários desses exemplos e um deles é a jornalista Regina Guerreiro, que por 14 anos comandou a revista Vogue brasileira. Iniciada na área de moda na década de 60, quando Jornalismo de Moda nem tinha essa denominação; a moda era algo inacessível para a maioria e se falava apenas em alta costura.
Inquieta, teimosa e rumando na contra-mão da moda, a qual diz que 'o sapato obrigatoriamente deve combinar com a bolsa', ou de que 'usar Rolex é chic', ou mesmo de que esta não caminha lado a lado com a arte e cultura de uma época, Regina Guerreiro é referência para mim e para muitos.
Por esses dias, o site da Faculdade Cásper Líbero publicou uma entrevista interessantíssima com ela, feita pelo estudante de jornalismo Raphael Scire. O resultado foi uma aula de jornalismo de moda e também sobre a própria moda brasileira. Uma entrevista, breve, mas recheada de boas opiniões.

Segue a entevista:

Ela abriu as portas do jornalismo de moda no Brasil, ainda que sem querer, na década de 1960. Hoje, os desfiles da São Paulo Fashion Week (SPFW) não começam sem que ela esteja devidamente posicionada em sua cadeira na fila A. Reconhecida como uma das papisas da moda brasileira, Regina Guerreiro diz que pagou um preço alto pela rigidez que exigia de sua equipe na Vogue, revista que comandou com pulso de ferro por 14 anos. “Se não tivesse muita teimosia, muita força e não me impusesse, as coisas não teriam acontecido e eu não teria me tornado Regina Guerreiro”, diz. Em entrevista para o site de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, ela conta como foi o começo de sua carreira, além de dar sua opinião sobre a moda e o jornalismo de moda.

Qual é a grande diferença no jornalismo de moda quando você começou (1964) e o que é feito hoje?
Na realidade, no meu tempo não existia essa denominação: “jornalismo de moda”. Eu fiz jornalismo geral. O que eu gosto e gostava, mesmo, é de escrever. Tentei vários caminhos no jornalismo, mas quando fui trabalhar na Abril, eu era uma menina que estudou em colégio de freiras, que sabia falar francês e por isso me jogaram em moda. Na verdade, não a escolhi. Eu até brinco que caí na moda em vez de cair na vida (risos).

Quais vertentes do jornalismo você pretendia seguir no começo da sua carreira?
Histórias policiais. Uma vez até fizeram uma brincadeira comigo no Jornal do Brasil e escreveram uma história policial como se eu tivesse escrito. E daí, no final, falava assim: “a vítima usava sandálias Chanel” (risos).

Pode-se dizer que você foi uma das percussoras do jornalismo de moda no Brasil?
Ah, sem dúvida! Acho que eu fui a pioneira, no sentido de que eu, realmente, comecei a trabalhar numa hora em que não existia moda no Brasil e, mesmo no mundo, ainda estava tudo na base da alta costura, de ditarem as regras do que era a moda. A primeira coleção de Dior que eu vi era uma coisa pequena, a da Chanel também.. Poucas jornalistas tinham acesso às coleções. Era um mundo muito diferente, mais fechado, mais exclusivo, mais emocionante, inclusive, porque era tudo sonho, emoção e poesia. Com o passar do tempo, essas coisas foram ficando enormes.
Bom, tudo estava acontecendo. Eu posso te dizer que sou absolutamente autodidata. Nunca fiz escola [de moda] nenhuma, mas tive de percorrer um longo caminho, com a minha curiosidade. Sempre exacerbada, entrevistei pessoas muito importantes, como o Cardin, Paco Rabanne, Mary Quant. E eu ainda tinha a enorme vantagem de saber escrever. Criei, realmente, o estilo da reportagem de moda associado a uma grande cultura da imagem da moda. Eu acho que a grande falha, hoje, é que as pessoas não unem as duas coisas, ou seja, esses cursos de moda quase sempre são uma idéia meio de deslumbre. Fazer moda é muito duro, tanto na área de estilo quanto no jornalismo. Isto quando se é para fazer bem, evidentemente. O jornalismo deve seguir a moda de uma forma séria, como a expressão de uma época, de um comportamento, de um desejo ou de uma economia.

Quais foram os aspectos que você teve de desenvolver para se tornar uma referência em jornalismo de moda?
Eu acho que isso não é tão nítido, não. É o meu estilo de vida. Eu sou uma pessoa super curiosa, super apaixonada. Então mantive a curiosidade, a paixão, a teimosia (risos) e, claro, o encantamento. A moda já foi uma coisa encantadora.

Não é mais?
Não diria.

Por que?
Porque teve de transformar os sonhos em números, o que é legítimo, pois tem que se sustentar uma indústria. É um sinal dos tempos, a consequência do nosso comportamento hoje. Mas que isso não é encantador, não é. É de uma mesmice tediosa. Eu diria que as coisas se encolheram e a moda, então, nem se fala.

Você teve 14 anos de experiência como editora de uma das revistas de moda mais influentes do Brasil, a Vogue. Até que ponto o sucesso da publicação pode ser creditado a sua pessoa?
Muito! A Vogue era uma revista muito limitada, elitista, trancada dentro de certos conceitos da mulher chique, como “bege combina com isso, Rolex é chique”... Eu sempre fui muito malhada, inclusive, porque eu era anárquica, propunha a anticultura, a briga com a cultura. “Porque que é assim e não assado?”. Levei as pessoas, principalmente as que vieram atrás de mim, as mais jovens, a essa excitação pelo que não tinha ainda acontecido, sair dessa gaiola de conceitos e preconceitos e abrir uma visão nova, mais rebelde, mais energizante.

Quais as características do jornalismo de moda enquanto jornalismo segmentado?
Acho que, infelizmente, a gente vai cada vez mais para a especialização. Temos menos cultura geral, somos mais canalizados para uma certa especialidade. Isto tem suas vantagens e suas enormes desvantagens, no sentido de que você fica muito bitolado, muito trancado dentro do seu mundinho. Isso até aconteceu comigo. Quanto mais se especializa, você tem menos tempo para olhar tudo. Essa é a grande desvantagem. Eu acho que essa coisa de segmentar é algo que vai se desenvolver ainda e o segmento do jornalismo de moda, se não tiver uma cultura geral por trás, tende a um empobrecimento enorme.

Hoje em dia, como você avalia o jornalismo de moda feito no Brasil?
Eu acho que, por exemplo, uma pessoa como o Alcino [Leite Neto, editor de moda do jornal Folha de S. Paulo], que é uma pessoa extremamente culta, cuja especialização é cinema, quando passa para a moda, traz uma bagagem cultural e de jornalista. A coluna dele é uma coluna que eu leio. As outras, passo o olho, mas não me impressiono muito, não. Eu acho que quem faz só moda em geral, que começou fazendo jornalismo de moda, são pessoas com menos bagagem e que conseguem falar de moda de uma maneira menos profunda ou puramente didática – preto se usa com isso, com aquilo – o que chamamos de ”autoajuda fashion” ou, de forma muito fria, muito preocupada com o estilo, com a grandiosidade do evento, com os números, do que o que está acontecendo com a moda propriamente dita.

Quais as publicações, aqui no Brasil, são relevantes para a divulgação da moda?
Olha, tudo virou uma receita, tudo sai de uma forma. Eu não vejo, no jornalismo de moda brasileiro, uma vitalidade, uma originalidade. Ficamos muito colonizados ao que eram as revistas estrangeiras. As matérias não puxam o olho: você folheia as revistas e não se sabe direito o que está vendo. É uma fileira de imagens, de produções extravagantes para dizer “olha como sou original”. Vejo o jornalismo de moda brasileiro muito sem apelo. A redatora está separada da produtora, da editora. Se a editora não sabe como contar uma história, a coisa fica pobre. Pega qualquer revista e vai ser muito raro encontrar uma matéria que tenha um gancho editorial e, ao mesmo tempo, de imagem.

O seu olhar para as coleções sempre foi muito ácido. Há pouco tempo você assinou a direção criativa da grife TNG. Como foi passar para o outro lado da crítica?
Eu tentei fazer da TNG uma coisa melhor. Não consegui. Não porque é uma coisa popular, pois acho maravilhoso fazer algo popular. Eu, por exemplo, fui ver o trabalho da Renner na semana passada e fiquei surpreendida, diria até mesmo encantada com a preocupação deles de fazer um produto barato, acessível. E esse é o meu sonho. A moda não pode e não deve ser o privilégio de uma minoria. Agora, dependendo da indústria, você consegue ou não consegue. Eu diria que, na TNG, não tive meios básicos. Faltava pano, faltava gente, faltava informação. Eu levava meus livros e eles desapareciam. É uma indústria mais preocupada com o lucro do que com a missão de deixar as pessoas mais bonitas. E as pessoas mais toscas, mais primárias, não se preocupam com isso, elas estão só preocupadas com o faturamento.

Você ficou quanto tempo à frente da direção artística?
Eu fiz quatro coleções, o que é uma coisa raríssima. Ninguém aguenta mais do que uma lá. Acho que aguentei quatro porque, como eu disse, sou muito teimosa. Mas a minha coisa de criação também é muito relativa. Eu passava as noções para os estilistas e eles desenvolviam. O problema, aí, é o da realização, que emperrava. Eu mandava uma coisa e vinha outra. Esse é um dos pontos mais graves.

Uma das grandes críticas à semana de moda de São Paulo é que o que é apresentado nas passarelas tem uma verve muito mais comercial do que criativa, diferentemente do que é visto lá fora, em Paris, Milão, Nova York e Londres, por exemplo. Você concorda com essa crítica?
Eu não acho comercial. Muita coisa do que eles jogam nas passarelas nem vai estar nas lojas. Paris continua sendo o centro da criação; Itália, da técnica. Muitas vezes a gente dizia, há dez, quinze anos, que a seda pura francesa era italiana (risos). Londres, eu adoro: é um centro provocante, são exóticos, anárquicos. Acho a mentalidade londrina muito boa. Claro que, em termos comerciais, nunca mais vai emplacar. Mas, não podemos só pensar assim. Temos que nos preocupar em sustentar a indústria, mas também o retrato do mundo. Você vê roupas na passarela que não vão mudar o futuro de ninguém.

Uma discussão que ressurgiu agora com a última SPFW sobre a magreza das modelos, ainda mais depois da resposta da Anna Wintour (editora de moda da “Vogue” americana) à carta do Paulo Borges (organizador do SPFW e do Fashion Rio). Você acha que a indústria da moda, no Brasil, é tirânica no que se refere aos padrões de beleza apresentados nas passarelas?
Não sei por que foi acontecendo isso. Nos anos 1980, o grande momento apoteótico em que a modelo se transformou em top model, quando surgiu Linda Evangelista, Naomi Campbell e Carla Bruni, elas não eram assim. Eram mulheres elegantes, altas, mas não eram palitos. Essa coisa de palito, acentuadamente brasileira, é mais fácil para o estilista. É mais fácil vestir um cabide do que uma pessoa. Eles dizem que não fazem isso, mas não é verdade. Eu sei de estilistas aqui que dizem que a modelo está gorda, exigem manequim 36. Essas meninas, quando fazem amor, “craquelam” (risos).

Quem você aponta como os grandes nomes da moda brasileira atualmente?
Ninguém é bom o tempo inteiro. Temos altos e baixos. Se você considerar como obra, como tudo o que foi feito até agora, eu destaco o Alexandre (Herchcovitch) e a Gloria Coelho. E, como moda brasileira, de ir ao fundo de nossas raízes, ser extremamente sensível, eu destaco o Ronaldo Fraga.

Em 2009, você foi a grande homenageada do Prêmio Moda Brasil. Como se sentiu?
Foi muito bom. Quando o tempo passa, a gente esquece tudo o que fez. E a gente tende a falar “puxa, não sou nada”, você sente um esfarelar... De repente, eu me peguei olhando para coisas que fiz há trinta anos e tive uma surpresa de como eu era atual, como meu texto era inteligente e como a minha imagem era emocionante. Isso tudo, modéstia à parte. Não estou falando para me gabar, estou falando que foi bom para eu me “reenergizar”.

Nenhum comentário:

Leia mais

Related Posts with Thumbnails